terça-feira, 12 de maio de 2009

[Circos] Opinião do Miguel Sousa Tavares

(Por Miguel Sousa Tavares. In "Expresso", 11 de Maio de 2009,
http://aeiou.expresso.pt/numeros-de-circo=f513258)
1 A Assembleia da República votou nesta quinta-feira (depois de eu entregar este texto) duas iniciativas legislativas que visavam proibir a utilização de animais pelas companhias de circo. O PCP e Os Verdes fizeram votar um projecto de lei para proibir a utilização no circo de quaisquer animais - "domésticos" ou "selvagens". A proposta é gradual: os "símios" começam por ser entregues ao Estado no prazo de seis meses e os outros vão-no sendo aos poucos ou esterilizados - contra indemnização a pagar pelo Zé Contribuinte. Tal como a recente moda dos concelhos "livres de touradas" ou as propostas dos defensores da proibição da caça, estes projectos circenses dos comunistas assentam numa lógica imbatível: extintas as espécies 'maltratadas', acabam-se os 'maus tratos'.
Esterilizados os elefantes e os tigres, extintos os touros bravos, por falta de objecto, entregue a caça aos predadores (sim, a natureza é horrível: não são só os homens que caçam perdizes, também os javalis, as raposas, as cobras, as águias, os saca-rabos, etc.), acabam-se oficialmente os maus tratos contra animais em Portugal.
Já o Bloco de Esquerda ficou-se por uma recomendação ao Governo para que proíba apenas o uso de "animais selvagens" nos circos, concedendo um prazo de três anos para que estes sejam "reconduzidos a locais adequados". Esta é, aliás, a maior fragilidade da iniciativa do BE: partindo do princípio óbvio de que eles não querem tirar os animais aos circos para os encarcerar numa jaula de 10 metros quadrados de um zoo, qual será o "local adequado" para soltar em liberdade os tigres e elefantes do Chen ou do Cardinalli - a serra da Malcata, o Parque Nacional do Gerês?
Há coisas que persistem em fazer-me alguma confusão, embora ultimamente haja poucas coisas ainda capazes de me surpreender. Por exemplo: o mundo foi posto em estado de histeria colectiva contra a gripe suína, originada numa pocilga industrial do México, explorada pela rede das Granjas Carroll, propriedade da multinacional americana Smithfield Foods, o maior produtor mundial de porcos. E parece (mas isto jamais será convenientemente provado) que o que causou a gripe foram as condições aberrantes em que os porcos são criados. É assim ali e é assim no mundo inteiro, Portugal bem incluído: toda a gente sabe como nas suiniculturas industriais os porcos são tratados abaixo de porco, sabemos que elas são, entre nós, a maior causa de poluição de rios e aquíferos e, sabemos agora, que até podem causar epidemias à escala planetária. Eu já vi, que me lembre, duas destas 'unidades industriais' de criação de porcos no concelho de Sintra. Assim como já lá vi, e em Cascais também, planos de urbanização e construções mais selvagens que os tigres do Circo Chen e que retiram - às pessoas, não aos animais! - condições de vida com qualidade e, às vezes até, com dignidade. Mas o que preocupa Sintra e Cascais, pelos vistos, é declarar-se "concelho livre de touradas" - como há uns anos e sem estremecerem com o ridículo se declaravam "concelhos livres de armas nucleares". Pois, mas o porco é um animal doméstico que se destina ao consumo humano (o touro bravo e a perdiz também se comem...). Por isso, e
tirando aquela bárbara tradição da matança do porco na aldeia (graças à qual ainda se encontram às vezes enchidos sem sabor a supermercado), ninguém está interessado em saber como é que se matam os porcos nessas fábricas de comida - e é melhor não saberem. Sorte e coerência tem o Afeganistão, que Maomé abençoou com a proibição de comer carne de porco e onde o mandamento é levado tão à letra que, em todo o país, só há um porco, que vive, para amostra, no zoo de Cabul - onde, aliás, já foi posto em precavida quarentena, não vá apanhar a gripe com o vento que passa.
Ali, as únicas entidades que são abençoadamente mortas e esquartejadas são as vítimas dos talibãs.
Agora, querem que deixemos de poder ver animais no circo. Eu gosto muito do Cirque du Soleil e afins, mas também gosto do circo da aldeia, que enchia de excitação e de alegria todas as aldeias e todas as crianças do mundo. O primeiro elefante que vi na vida foi num circo e, quando os meus pais me levaram um dia a ver o Circo de Moscovo, de visita a Lisboa, foi a única vez, até hoje, em que vi um urso. Não sei o que seja um circo sem os domadores de leões, sem os tigres a atravessarem anéis de fogo, sem oselefantes a passearem-se pela pista, sem os acrobatas hípicos. Acho muito bem que a Veterinária e a Direcção de Espectáculos vigiem as condições em que os animais são tratados nos circos. Mas é preciso exterminá-los?

5 comentários:

  1. na minha opinião este tipo de pensamento não faz qualquer sentido. Vem ao encontro das pessoas que dizem "para quê lutar pelo direito dos animais quando temos crianças à morrer à fome pelo mundo fora"! Isto é a questão dos porcos é tão pertinente como a outra. Não é retirando valor à questão de que o uso de animais nos circos da forma que é feito em determinados circos tais como Cardinalli etc, que vai-se validar a sua questão em relação ao trato dos porcos na suinicultura portuguesa. Teria muito mais valor faze precisamente o oposto e fazer valer a necessidade da melhoria das condições, criação e morte de porcos com os seus próprios argumentos que deveriam ser suficientemente fortes para tal.
    Quanto à sua experiência pessoal dos animais no circo, deve ser idêntica à que muita gente tem das festas envoltas na matança do porco e afins.

    E não, não tem que se exterminar nada para zelar pelo bem-estar animal.

    Cpts

    Cláudia Estanislau

    ResponderEliminar
  2. Compreendo o imaginário do Dr. Sousa Tavares, aplicado aliás na perfeição no texto de um seu eventual romance.

    As imagens que descreve e que estão de facto presentes no imaginário de muitos, serão facilmente traídas pela realidade que entra pelos olhos de quem fequentemente visita os bastidores de circos.

    Circos sem recursos, a maioria deles, pobres e deprimentes, para não dizer miseráveis, que (já) não mobilizam as comunidades, já não fazem sonhar ninguém...

    Os animais são (também) vítimas dessa pobreza, sem espaço, sem acesso aos comportamentos próprios da espécie, sim ,porque mesmo em cativeiro, não tenhamos dúvidas que a memória genética tem aqui um papel importante.

    Mesmo nos circos mais "ricos", o cenário é pobre: é pobre porque mutila um imaginário que deveria ser de liberdade e respeito e é antes de domadores de leões, de tigres a atravessarem anéis de fogo, de elefantes a passearem-se pela pista, de acrobatas hípicos."

    ResponderEliminar
  3. O que hoje muitas vezes se proclama como direitos dos animais, não passa dum chavão da moda, cada vez mais implantado. Fala-se em direitos dos animais como se fala em direitos humanos.Parece que estamos todos(Homem e animais) ao mesmo nível. Nada disso, a abordagem está mal feita.
    Então é assim: só pode ser sujeito de direitos, aquele que seja sujeito de deveres. Ora os animais não são sujeitos de deveres, logo também não são sujeitos de direitos. Mas o Homem é que sendo sujeito de deveres, é também sujeito de direitos.E são precisamente os seus deveres para com os animais que constituem aquilo que hoje - por moda, digo eu - se chama de direitos dos animais.
    O Homem está no topo da pirâmide dos seres vivos e é a ele que cabe fazer a gestão do conjunto e nem sempre o faz da melhor forma.
    Utilizar animais nos circos? Porque não!?...
    Utilizar touros de lide? Porque não!?... Chama-se a isto fazer a gestão dos recursos disponíveis. Deve essa gestão ser feita da melhor forma e se o for, os animais serão bem tratados, aliás esse bom trato faz parte dos nossos deveres para com os animais.Mas atenção, os animais devem ser tratados como animais, tendo nós o dever de conhecer o seu comportamento, para com eles lidarmos da melhor forma(aquela de que eles gostam), mas o que hoje se passa é que os animais são antropomorfizados e tratados como de pessoas se tratasse.
    Respeitando os princípios resultantes da filosofia atrás expressa, espero não escandalizar ninguém afirmando que os animais existem para servir o Homem.

    ResponderEliminar
  4. De filosofia não percebe nada caro anónimo e de direito também não. Um sujeito com direitos significa que se tem deveres para com ele. Caso contrário as crianças, os deficientes, etc, não teriam direitos porque não tem deveres. O ser humano também é um animal e a única caracteristica exclusiva do ser humano é a linguagem articulada- não me parece que seja um bom critério para se negar direitos! E pasme-se: isto já se sabe desde Darwin!!! Criatura!!!Vá lá estudar biologia, etologia, antropologia, direito ou filosofia e depois venha fazer mais uma tentativa de dizer alguma coisa de jeito!

    ResponderEliminar
  5. "Um sujeito com direitos significa que se tem deveres para com ele. "

    Exactamente, meu caro, estou perfeitamente de acordo.É esse o sentido do meu texto. Parece-me que estamos de acordo: afinal o que uns chamam de direitos dos animais eu chamei de meus deveres para com os animais. Eu gosto mais da minha perspectiva, é que a outra é muito cara a certa ala militante com a qual não me identifico. Mas atenção, o meu raciocínio não dá para agrupar as crianças e deficientes, por não terem deveres, no grupo dos de sem direitos.
    Não se amofine tanto que há sempre um falar e dois entenderes...

    ResponderEliminar

Deixe o seu comentário que será publicado após moderação (permita-nos 24h para o publicar). Não serão aceites comentários desprestigiantes para a ANVETEM ou seus associados.
Obrigado